8/02/2015

12 – Cuba à noite cansa

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Septeto Típico de Sones
         Era coisa de cinema: o "Septeto Típico de Sones" balançava o Restaurante Europa, na Calle Obispo esquina de Aguiar, em La Habana Vieja!... Remexendo variados gêneros musicais cubanos – rumba, conga, mambo, guajira –, o septeto, sendo um septeto, utilizava a voz legendária de Ernesto Oliva, violões e instrumentos bem mais caribenhos, como maracas, bongô e botija, uma espécie de "cuíca de boca", peça bojuda de barro que, soprada por orifício lateral, emite sons graves, se é que dá para imaginar... 
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Antonio Bacallao
         Além de jantar, a turma da Zás-Brás se esbaldava, alguns perturbando os casais da pista, outros batucando nas mesas, Rolé quase dançando em cima da mesa... Ao final, além das palmas, que todos mereceram, uma troca de gentilezas: o próprio Antonio Bacallao, líder do grupo, largou sua botija e foi às mesas dos brasileiros, tanto para agradecer a parceria quanto para vender alguns CDs do grupo...
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         À meia-noite, se desfez o encanto... O "Septeto Típico de Sones" se desmanchou, cada um para sua casa, e o octeto da "Zás-Brás Elucubrações Artísticas" saiu à rua Obispo à procura de transporte, subindo no rumo da pracinha da esquina da Av. Monserrate. 
La Floridita
         Só que a noite ainda não terminara... Eis que, chegando à esquina, reconhecem o restaurante La Floridita, mais uma lenda de Havana. "Reconhecem" é um pouco de exagero... Apenas Gastão sabia de sua existência e, subproduto de seus estudos literários, podia falar da convivência de Ernest Hemingway com o bar. Agora bem à sua frente, em noite de pouco movimento: boa chance de experimentar seu famoso daiquiri, que é, digamos, uma das versões locais da caipirinha brasileira.
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Salão de La Floridita
         Gastão não titubeou: era só uma paradinha!...  A onda nostálgica predominou e Egberto, Raíssa e Leonil decidiram conferir. Foi o que bastou para o casal Eliete e Elói, em rápida troca de olhares, decidir fazer coisa muito melhor no resto da noite, ainda mais sem ninguém para atrapalhar: ir de imediato para o hotel e transar, pela primeira vez, em território cubano, onde, "sin perder la ternura jamás", espera-se, "hay que endurecer"...

No balcão
         Enquanto os outros se definiam, Rolé, aproveitando os cantos das conversas, induziu Amanda a se declarar cansada e, imediatamente, apostando na oportunidade que se abria, se ofereceu para acompanhá-la à casa onde se hospedava, e saíram andando, dispensando, que não era longe, as "bicitáxis"...

         O resistente restante quarteto atravessou a porta guarnecida em mármore e ferro da Floridita e entrou no casarão rosa, solenemente anunciada pelo luminoso que a encima como "um dos sete bares mais famosos do mundo". Não parecia tão grande quanto a fama: um salão típico de bar, grande espelho atrás do balcão, muitas fotos pelas paredes (certamente, uma tradição cubana), lambris e mesas redondas de madeira, lustres aparentando estrelas multipontudas. 

O casal de turista
         Destacado no ambiente, o grande dossel sustentado por colunas finas que rebatia ao chão um minipalco, de não mais que um palmo de altura. Estranhamente, não se ouvia a música ao vivo, estariam no intervalo?... Ou talvez a programação fosse mesmo tardia: homens solitários tomavam drinks no balcão, turistas se esparramavam por sofás e cadeiras...
Cervejas: Cristal e Bucanero Fuerte

         Conseguiram uma no sofá lateral e por uns tempos, na falta do que fazer, observaram o ambiente e investigaram as cervejas. Raíssa queria uma bem leve e pediu, por indicação da garçonete, a Cristal. Os rapazes, fazendo-se de fortes, escolheram Bucanero Fuerte. 

Com Hemingway em La Floridita
         Não acontecia nada que justificasse a fama do local... Até que Raíssa, meio desatenta mas num ângulo favorável, observou:
         - Aquele cara lá no fundo... Não parece uma estátua?...
         E era mesmo!... Dominando o canto do balcão, uma versão metálica e altaneira do próprio Hemingway, que tomara ali, há muito tempo, o seu último daiquiri... 

O barman e os turistas
         Gastão fez questão de um selfie com o ídolo, assim tão bem conservado, e foram todos conferir a consistência da homenagem. Depois, pediu a Leonil que o fotografasse à distância, queria sair melhor na foto...
         Difícil voltar à mesa que, imediatamente, o palco foi ocupado por um quinteto musical ao estilo "casa noturna", na linha romântica da música cubana, com destaque para as vocalistas (e também percussionistas) e suas blusas cobertas de lantejoulas negras.

Música em La Floridita
         Enquanto ouviam uma sequência de boleros cubanos, a turistada aflorava no salão, encharcando os barmen com pedidos de drinks e chacoalhando os ossos no ritmo do reco-reco de cabaça que a morena charmosa tocava...

Levando o selo
         Nesse embalo, o quarteto Zás-Brás passou das duas da matina, até que, um tanto adernado pelas cervejas e outras bebidas mais turísticas, saiu cambaleando sobre as lembranças da calçada da Floridita.

         Atacaram o primeiro táxi disponível e seguiram no rumo do hotel. E da cama, onde ensaiaram, em sonhos e pesadelos (além da azia e dos refluxos), a estreia cada vez mais improvisada da Zas-Brás Elucubrações Artísticas em terras cubanas...
Táxi noite a fora

         Eliete e Eli, à parte, fizeram a sua parte e à essa altura da noite dormiam profundamente. Não tomaram conhecimento da chegada da parte mais turística do grupo. De outro lado, Amanda e Rolé tiveram também uma noite tranquila. Pena que cansativa... Acabaram virando a noite, de conversa, no meio fio, de onde passaram para um banco do Paseo de Martí. O que não estava no roteiro é que o dono do apartamento (e nessa Rolé se deu mal) não deixaria Amanda (mesmo que virasse Onça) levar o seu (um tanto esforçado) convidado para o quarto: esqueceu (ou não sabia) que a proibição consta do regulamento, e o governo controla, do serviço de hospedagem em residências cubanas...

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Amanda Onça  Foi legal passar a madrugada na rua, vendo a boemia cubana. Na verdade, é uma boemia turística...

Rolé de Matos  A alternativa saiu ali, na hora, espontânea, e o papo foi bom. Aliás, nem lembrava mais do que fizemos antes.

Berto Triz Tonho  Fui ver minhas fotos da viagem, achei um vídeo, nem lembrava, que gravei justamente nessa noite... Andando entre os dois bares, subindo a Calle Obispo, fui filmando a rua, registrando passantes, vitrines e até trechos no escuro, enquanto fazia um "discurso" em portunhol, que, no ato, chamei de "Impressões sobre o futuro do mundo", apenas...
Que transcrevo (e "traduzo") aqui: "Há a sensação de que tudo mudará e que todos teremos um novo mundo pela frente, um futuro diferente, e não se sabe, contudo, o que é... Porém, esse novo mundo (que é uma negação do capitalismo) terá que buscar referências em algum ponto. E onde estão as referências? No socialismo real? No que se fez na Rússia, União Soviética, na China de Mao, na Albânia? Não. Por quê? Porque onde o melhor do ser humano resistiu, se manteve, foi em Cuba. É onde há uma mistura entre o que vem pela frente, o que passou e o que ficou de lá de trás. Ou seja, há um futuro que se constrói dia a dia, mas, em que o passado serve de embasamento, serve de apoio, serve de referência e, para você que estiver lá, de firmeza revolucionária. É isto."

Russa Pimentel  Puxa, exagerou... Bem, para não ficar muito atrás, uma contribuição, em cima do lance: a capa do CD do "Septeto Típico de Sones"!... Lembrei que comprei, fui procurar, achei... A ironia é que nem tinha aberto (aproveitei para ouvir), ainda tinha o "Sello de Garantia"!


Elói de Holanda Cara, mal lembro daquela noite, estava muito cansado...

Eliete Barbosa  Eu lembro bem, não estava nada cansada. Foi boa. Já tive piores. Mas, também já tive melhores.

Leonil de Moura Bom, se é assim, lá fui eu procurar o CD que comprei no Floridita... Aliás, comprei por causa da morena do reco-reco (olha a foto dela aí), que nem era tão boa cantora assim, mas vendia muito bem... Admito, também não ouvi até agora... Acho que a gente sai de Cuba com a música deles instalada na mente, todas elas formando uma versão só, e aí nem precisa ouvir mais... Hum, talvez em alguma ocasião especial, comemorativa, quem sabe?...


Gastão Cavalcanti  Os cubanos, para mim, eram referências socio-político-econômicas, não eram pessoas.  E eu nem curto muito a música, prefiro a literatura. Mas, naquela noite acho que comecei a mudar de perspectiva, vi que as pessoas estavam vivendo a vida... Vá lá: no geral, pareciam felizes. E nem tão mal assim... Agora, o quanto de revolucionário há em simplesmente viver a vida, não sei. Agora, a música... Fazendo a escolha certa, é sempre bom comemorar!

Elói de Holanda  Não, aquela noite, bem entendido, foi boa sim.

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