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O Brasil estreou com vitória na Copa de 2014, 2 x 1 sobre a
Croácia. Na mesma noite, em Cuba, Raíssa & Egberto, na estreia de um torneio
para o qual se preparavam há mais de 40 anos, ficaram empatados: 0 x 0.
Pela primeira vez dormiram juntos uma noite inteira, na
mesma cama, e, mais um detalhe favorável, em campo neutro. Apesar disso, o jogo
foi travado, sem perigo de gol, nem sequer houve lances na pequena área. Assim,
o jogo tão esperado nada acrescentou à, digamos, novela (que, considerando o
resultado da partida, ainda não era romance). Pela manhã, ao final da peleja,
como diriam os comentaristas, o placar espelhava a atuação das equipes.
Talvez a torcida (restrita aos próprios jogadores, jogo de
portões fechados...) não tivesse mesmo maiores expectativas. Mas, jogo é jogo, diz
o regulamento, e, ao menos deve-se dar crédito ao casal: jogaram o jogo... Certo,
a classificação era provisória (um ponto para cada um) e não se tratava de um torneio
"mata-mata" (como a parte final da Copa), mas de um campeonato de
pontos corridos (que nem o Brasileirão): as equipes ainda entrariam em campo
outras vezes, teriam muitos jogos pela frente!
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Uniforme de Egberto |
Em poucos minutos, Egberto estava de volta, dando pulinhos sobre o carpete do quarto, mais um exercício, por conta da estimulante água fria, a que estava acostumado. Raíssa apreciou (e elogiou) sua disposição e quase iniciaram uma comemoração antecipada. Ela conteve-se, ainda não estava em condições de jogo... Contendo-se, Raíssa desvencilhou-se e colocou entre eles o volumoso nécessaire em que transportava apetrechos e substâncias que lhe garantiam domínio praticamente completo sobre a própria aparência, uma questão fundamental, em viagem ou não. Agitando-a enquanto passava à frente dele, recolheu-se ao banheiro, onde talvez tenha, realmente, se estendido um pouco além do necessário (pela sensação dele), mas não além do suficiente (pela dela).
Se Raíssa demorou um tanto demais no vestiário, digo, no
banheiro, certamente foi porque não se pode adentrar ao gramado, digo, aos
lençóis sem uma boa adaptação do corpo. Processo que começava, para ela, pela
desmontagem de todo o aparato de maquiagem que construíra na maratona desse
dia, desde a apressada saída na madrugada de Bogotá, nas rápidas paradas nos
toaletes dos aeroportos e aviões do percurso, e que completou, com uma rápida ajeitada
de sobrancelhas, neste mesmo quarto de hotel, pouco antes de descer para
assistir ao jogo da seleção brasileira e sair para o Malecón. Todas estas
camadas, pacientemente acumuladas, agora precisavam ser retiradas com a devida
técnica, o que toma tempo. Feito o desmanche, cabia uma preparação condizente
com a situação, o que incluía não só um relaxante banho morno como
imprescindíveis massagens emolientes (não só faciais, mas também, entre braços
e pernas, em outras áreas sensíveis do corpo).
Enfim, incontáveis (no sentido de indefinição, não de
excesso) minutos depois (e nem era o caso de prorrogação, de acrescentar tempo
ao final do jogo), eis que Raíssa se reapresentou elegantemente uniformizada
diante da, em tese, plateia, com a camisola de seda em nuances de preto e vermelho
e a calcinha rosa regulamentares, toda limpinha e cheirosa, exatamente como costuma
entrar em campo qualquer jogador que se preze, por menor que seja o estádio ou a
arena (no caso, o quarto) da disputa.
Para sua surpresa, o adversário (e agora, havia de
classificá-lo assim...) não apresentava condições de jogo. Estivesse ou não
contundido (por mais que vivesse batendo cabeça...) ou se tratasse de
inesperado caso de dopping (que há
atletas que não têm uma boa cabeça...), o fato é que Egberto, durante esta
espera interminável, perdera por completo os sentidos (ou, pelo menos, o senso
de oportunidade): dormia desvairadamente. Raíssa estava preparada para alguma
impaciência da parte dele, mas não exatamente deste tipo... Percebia, agora,
que os ruídos que ouvira no banheiro não vinham de vuvuzelas ou apitos da
torcida, mas do, digamos, ressonar exagerado de Egberto, que não teria a
deselegância de chamar de ronco, mesmo. É, é do jogo, às vezes dá muita dor de
cabeça mesmo, e ela também estava cansadíssima. Conformada a interrupção, fez
uma substituição no estado de espírito e acomodou-se a lado dele, evitando cuidadosamente
o contato (uma cama não tão larga assim) e tratou de dormir.
Foi ela quem acordou mais cedo. Rapidamente (para os seus
padrões), colocou um biquíni e desceu para a simpática e pequena piscina do
hotel, ainda vazia. No que a porta bateu, Egberto acordou. Tomou um banho, se
arrumou e partiu para o café da manhã, de onde saiu para encontrar o pessoal da
organização do evento, baseados no Hotel Nacional, a poucas quadras. Devido ao
atraso da inscrição, amarrado pela burocracia brasileira (e também por algumas
indecisões pessoais), ainda precisava confirmar a participação da Zas-Brás na
FIAP, agora em caráter especial, fora da programação divulgada. "Importante
é que estamos na WAF7, em Medellín. Participar aqui do FIAP é um extra!",
sempre argumentara. Devia esta certeza aos parceiros de viagem, eles não sabiam
do risco de não participarem...
Por volta de 13h, todos no almoço, no próprio hotel,
inclusive Tâmara Mendonça, que se integrava ao
grupo. Era também reunião de trabalho e o último a chegar foi justamente
Egberto. Trazia um sorriso meio cambaleante no rosto, mas isto não preocupou
ninguém, todos conheciam seu personagem Berto Triz Tonho, que, imediatamente,
trocou por um olhar brilhante. Com a cara mais feliz de Cuba, anunciou:
- Nossa apresentação será segunda-feira. Sabem onde?... Em
Varadero!
Antes que perguntassem "mas, não era em Havana Vieja?...",
contou uma tortuosa história sobre programações entupidas e prioridades
discutíveis, "sabe como é, não dá para confiar muito nesses planejamentos
centralizados, né?".
Foi difícil, garantiu, mas conseguiu inserir a
apresentação da Zas-Brás na terça-feira à noitinha, em Varadero, uma extensão
do FIAP. A vantagem é que ganhavam tempo para enturmar Amanda Onça e até acrescentar
cacos inspirados na vida cubana. Explodiram os anseios:
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Habana Libre ao longe |
- Precisamos ensaiar!
- Precisamos ir às ruas!
- Ei, quero acessar internet!
Ganhou a carência afetiva... Amanda Onça assumiu o comando, já
conhecia os macetes (e as dificuldades) de acesso à internet em Cuba. Podiam
tentar no próprio Hotel Victoria, mas a proposta de ir a um dos dois grandes
hotéis da redondeza, onde havia cabines públicas, a versão turístico-cubana das
populares lan-houses de outros
países, inclusive o Brasil, era muito mais divertida.
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Hotel Habana Libre, interiores |
Tomando cuidado para não
confundirem animação com invasão, o grupo espalhou-se por lojas e
poltronas do térreo do hotel. Onça e Rolé subiram
as escadarias para consultar os preços e alguns foram atrás, observando as
plantas, o piso espelhado, as obras de arte e os registros históricos nas
paredes, fotografias de Fidel Castro no quartel-general instalado no hotel em 1959 ou Che Guevara, em 1966, enfrentando
campeões mundiais de xadrez no torneio em homenagem a Capablanca, lenda do
xadrez cubano, campeão mundial nos anos 1920, e até inventor de uma nova versão
do jogo.
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Hotel Nacional, esplanada |
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Hotel Nacional, noivos no Ford 1955 |
Na rua O, subiram à esquerda, para chegar
à esplanada de entrada do Hotel Nacional. Inaugurado em 1930, o hotel mantém a
linha, até porque é uma espécie de monumento nacional, sempre cercado pelos
famosos carros americanos, conservados, desde os anos 1950, pela paciência e pela
necessidade cubana, transformados em folclóricos táxis.
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Hotel Nacional, interiores |
Precisaram subir uma escadinha na ponta
esquerda do vestíbulo e procurar a sala exata na sobreloja. Até encontrar a
internet era difícil, e não por acaso, havia muita história nisso...
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Hotel Naciona, 1930, e jardins |
A expansão da internet aconteceu
justamente quando Cuba passava pelo "período especial", o grande
sufoco, quando sumiram tanto o açúcar, que vendiam, quanto a União Soviética,
que o comprava. Ainda por cima, ficou fora,
devido ao bloqueio econômico americano, da
rota dos cabos submarinos internacionais.
Conseguiu uma conexão por cabo com a
Venezuela, recentemente, o que melhoraria a situação, mas o acesso não foi
generalizado, em parte pela carência das pessoas, também pelas preocupações com
segurança, que o país é gato escaldado, ainda mais vendo a inspiração americana
nas "primaveras" de revoltas de alguns países e, logo, descobrindo a
tentativa de implantação de redes de mensagens telefônicas internacionais subsidiadas
pelos vizinhos do norte...
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Hotel Nacional, varandas |
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Hotel Nacional, cocotáxi e táxi |
- Que tal ouvir música em algum bar de
Habana Vieja?
"Sim!... E dançar!",
completaram. Quase pegaram o coco-táxi, mas uma invenção cubana, surpreendido à
porta do hotel. Ora, o Victoria estava bem perto: saiu todo mundo às carreiras,
"o último a chegar é mulher do padre!".
No caminho de volta, talvez pensativa, Raíssa
foi ficando para trás. Egberto, fazendo
que ajeitava o sapato até que passasse a seu lado, introduziu:
- Acho que a gente devia conversar
sobre a noite passada...
Raíssa estava ligada, cortou:
- A gente conversa até demais...
Precisamos é de outras coisas.
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PaCuCoBras [grupo
fechado] – Comentários:
Berto Triz Tonho Não tem nada que explicar, são
coisas do momento. Quer dizer, a gente estava ali fazendo o melhor possível, no
coletivo e no pessoal. Tinha esses contratempos, internet devagar, sei lá... A
gente estava meio devagar também.
Gastão Cavalcanti Internet
ali, diante do ambiente, era o de menos. Do hotel, mais do que a história da revolução
cubana, ou as questões sociais ou políticas,
o mais encantador era a arquitetura, as colunas, as varandas, os lustres. Já o
Havana Livre é modernoso, uma cópia americana, que os cubanos tinham que assumir,
é claro. Bem, já cansei de falar disso, queiram perdoar. E ainda tem os outros
lugares, a herança colonial...
Elói de Holanda Realmente, o ambiente do Hotel
Nacional tem uma aura, uma mística. Mas, não tanto quanto as velhas igrejas do
centro velho, isso não. É meio liberal, falta solenidade.

Rolé de Matos Desse lance da falta de
internet, o que achei mais maneiro foi a solução caseira dos caras, os tais "pacotes semanais", a
produção independente deles, em que agregam dados, filmes, programas de TV e
até cópias digitais de revistas e websites, cabe tudo nos pendrives ou HDs, que
depois circulam na encolha.

Leonil de Moura Então...
As questões técnicas da internet devem melhorar, parece que os chineses vão bancar
um cabo de fibra ótica submarino de alta qualidade, não sei de onde vem. De qualquer
modo, a rapaziada desenvolveu um grau de informalidade criativa de dar inveja à
indústria pirata brasileira, e olha que a gente que mexe com isso no Brasil é
esperta, faz de tudo... Tem jeitinho brasileiro também por parte do governo, que
proíbe, mas não só finge que não vê como também aproveita indiretamente, passa
as informações oficiais nos pacotes. Cuba é que nem Brasil: não é lugar para principiantes
(não vou dizer profissionais, que nem todo mundo lá ou aqui é, mas se vira).
Russa
Pimentel A gente
tem que respeitar. Quando as coisas não estão maduras, é preciso tempo,
paciência e jeito para cuidar. Vale até para a questão das tecnologias lá em
Cuba, que, pela esperteza (e educação) do povo, daqui a pouco, é só acessarem
os meios, vão dar show em internet, e essas coisas. Eu mesmo, com essa idade
toda, ainda estou amadurecendo...
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