4/04/2015

01 – Partiu Rio

A viagem de mil léguas não começa com o primeiro passo: ninguém mais faz uma viagem dessas a pé!...
Já a viagem de mil milhas aéreas começa horas antes da chegada do viajante ao aeroporto. É necessário sair de casa cada vez mais cedo... Nunca se sabe o tempo necessário para a ida de casa ao aeroporto, e haja trânsito!... Os trâmites, apesar de toda a informática disponível, parecem cada vez mais burocratizados, se é que realmente não são... Seja como for, quem viaja sempre pensa assim. Um dia, para todos os efeitos legais, apenas se dirigir ao ponto de partida de uma viagem já será considerado uma viagem...
O voo estava marcado para as 12h05m, saindo do Tom Jobim, o (ainda) aeroporto do Galeão, e o encontro de toda a trupe no check-in ficou combinado para as nove horas da manhã, três horas antes do voo, toda precaução... E não é que teve quem saísse de casa às 6h da matina?...Talvez o pior de precisar chegar cedo a algum lugar é calcular mal e depois ter de fazer hora. Dono de lojinha de aeroporto vive disso... Parece escolher a dedo tudo que não interessa ao viajante, que mesmo assim comprará, e apenas por estar agoniado. Pior mesmo é parar para comer naquelas lanchonetes massificadas, com preços cartelizados. Tira a fome de qualquer um, é a fissura que garante a clientela...
Raíssa, sol rascante
Ainda bem que todos chegaram atrasados. O pouco tempo que lhes sobrou, antes do acesso à área de embarque, dispensou-os do desgaste de procurar e decidir culpados... 
Egberto, luz enredada
Raíssa e Egberto, justamente os que haviam marcado a hora de encontro, foram os vencedores da corrida, com apenas dezoito minutos de atraso. Vieram de Botafogo, pelo túnel Santa Bárbara, e de táxi, o que sempre facilita. Não fossem os reflexos das obras do Porto na área da Francisco Bicalho, até chegariam na hora combinada. Não tão mal assim, comparado à demora dos demais...
Vir do Lins de Vasconcelos, a esta hora da manhã e usando transporte público, seria sempre mais difícil... Por princípio, Leonil fez o de sempre: caminhou até a estação do Méier e pegou o trem para a Central. De lá, e este era o plano, pegaria o ônibus da linha que interliga os dois aeroportos do Rio. Cuidadoso, saiu de casa bem cedo, às 6h, e sua velha irmã ainda nem se levantara. Até a Central, tudo bem: antecipando-se às massas trabalhadoras seu paletó de lã, presente de um sobrinho exagerado, garantia de elegância, passou incólume. Pegar o ônibus é que não foi nada fácil... Ninguém sabia (e ele não antecipou o problema) em qual ponto o Santos Dumont-Galeão parava, e nem quando passaria. Muito objetivo, não se apertou e pegou qualquer um até a Rodoviária. Lá, sabidamente, o ônibus passava. E parava. Funcionou: atraso de apenas 35 minutos.
Leonil, olhar rapineiro
O casal Elói e Eliete, graças a uma antiga tendência a se complicarem na arrumação das malas, chegou mais tarde, às 9h48m. E olha que vinham de perto, de Santa Teresa... Foram prudentes em combinar com um vizinho taxista, que conseguir, de manhã cedo, um táxi desgarrado no meio da buraqueira das obras de recuperação do desfigurado bondinho do bairro, seria um muito improvável lance de sorte. Não adiantou, saíram atrasados de casa, as malas não colaboraram... Felizmente, caminho livre, não perderam o voo.
Quem também não teve problemas no percurso foi Gastão, que veio de Ipanema, no contrafluxo, pela Linha Vermelha. O que lhe custou tempo, e demais, foi pegar o táxi... Sair de seu charmoso apartamento térreo de fundo de vila, apesar da grande mala que carregava, foi fácil. Já alcançar a esquina da rua... Complicou. A chateação da obra do metrô na Barão da Torre, nesta manhã, depois que o tatuzão encalhara no subsolo, na passagem da rocha para a areia, chegou ao cúmulo de interromper a passagem de pedestres por dezenas de minutos, até o reposicionamento dos tapumes. Conseguir táxi também foi infernal, e se tratava de uma mera quarta-feira... 
Elói, natureza divinal
Conseguiu um, aos empurrões, disputando com um grupo de gringos que, naturalmente, pretendiam subir ao Corcovado antes de todos os outros, passeio obrigatório para quem vinha assistir os jogos da Copa do Mundo. Afinal, conseguiu chegar ao aeroporto às 10h02m, ainda na faixa de tolerância combinada.
Por último, pouco antes de Egberto desesperar-se, aparece, às 10h23m, o esbaforido Rolé. Na véspera, tentando ser previdente (o que, decididamente, não era do seu feitio), deixou a sua sossegada casa no meio do mato alto da estrada do Mato Alto, em Guaratiba, e foi dormir no apartamentode um amigo no Novo Leblon, na Barra da Tijuca. Seu plano era perfeito: pegar no ponto final, no terminal Alvorada, o recém-inaugurado BRT Transcarioca para rapidamente atravessar a cidade até o Galeão. Bem cedo, porque estava preocupado com manifestações, que até apoiava, mas podiam atrapalhar... 
Eliete, núcleo sensível
Naquele dia, pelo menos duas lhe pareciam possíveis. Uma a dos moradores da Vila Autódromo, em mais um protesto contra as remoções, forçadamente consentidas, que a prefeitura vinha fazendo na comunidade, e apenas por serem vizinhos da futura Vila Olímpica dos Jogos de 2016, além de pobres. Outra a dos professores em greve, que, ele deduziu, podiam protestar, por exemplo, em cima do viaduto de Madureira, e até mesmo fazer uma assembleia. Fora estas normalidades, sabia que corria outros riscos sérios, estava ligado... 
Gastão, figura destacada
Imaginou o confortável ônibus articulado sendo invadido por drogados em crack, desentocados de seus refúgios sob a ponte da Ilha por alguma tentativa de captura preventiva da Assistência Social. E até mesmo, a nova ponte de arcos do BRT sobre a Av. Brasil, a exclusiva, na altura da favela da Maré, atulhada de drogados atingidos pelo gás lacrimogêneo, que a PM, com certeza, distribuiria fartamente, para livrar a pista de tal incômodo, que o trânsito tem que fluir sobre todas as coisas... E, extrapolando os fatores humanos (talvez impressionado com as últimas notícias sobre um futuro caos climático), o preocupado Rolé chegou a imaginar a ocorrência de um inesperado temporal que submergisse todas as vias naquela bela manhã junina...
Sucedeu que o caminho não foi nada convulsionado, mesmo considerando os sustos de quase atropelamento de pedestres desacostumados com a faixa exclusiva dos ônibus, e Rolé chegou bem cedo ao aeroporto. Aliás, cedo demais!... Precisava tomar um café... Achando caros os preços da mal cheirosa praça de alimentação e com gordura demais no ar, saiu do aeroporto e andou quase um quilômetro, com mala e tudo, até um posto de gasolina. Isto e mais as relaxadas conversas com frentistas, taxistas e carregadores, fez com que praticamente perdesse a hora. Ou nem tanto: chegou tarde, mas chegou!...
Rolé, imagem enganosa
Agora, para embarcar, o grupo precisava apenas encarar os turistas... O mundo inteiro vinha ao Brasil assistir às partidas da Copa e o Tom Jobim não vivia propriamente um momento de harmonia: estava simplesmente tomado por hordas de gringos. Atravessar a massa de torcedores, de todas as cores, nacionalidades e bandeiras, foi uma espécie de sufoco terminal na partida da trupe. Tropeçando nas cantorias e nos gritos de incentivo, em vários idiomas, e nas mochilas e bagagens, conseguiram finalmente chegar ao portão de embarque: passaram pelos agentes da Polícia Federal como se praticassem uma espécie de fuga... O certo é que a partir daí abandonavam, tecnicamente, o território brasileiro. E, de lambuja, a própria Copa do Mundo no Brasil.
Começava a teatral (e muitas vezes circense) mas sempre vital excursão internacional da Zás-Brás Elucubrações Artísticas!



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PaCuCoBras [grupo fechado] – Comentários:

 Gastão Cavalcanti Ah, sério mesmo, vão contar as histórias daquela ridícula excursão?... E tudo mais também?...
Berto Triz Tonho Olha, eu acho justo. Valeu ou não valeu?... Eu acho que sim. E se há quem conte, passemos ou não à condição de personagem, sempre poderá ser útil às novas gerações, que também não faço fé que as atuais tirarão disso algum proveito, que elas não se dão a estes aprendizados, cuidam apenas dos seus luxos...

Elói de Holanda Aleluia, irmãos!... Quem viveu, reviverá!... E quem não viveu, verá!... Quem quiser aprender, que aprenda, e isto vale para alguns de nós também... E, de qualquer modo, mal não fará: falta de reflexão é o que mais tem feito falta, por aqui e alhures. Que assim seja, com a graça de Deus e dos Orixás!... Amém! Saravá!

Eliete Barbosa Quê que é isso, Elói?... Na viagem mesmo vc estava todo sorumbático, agora é este entusiasmo todo?... A gente tem que tomar cuidado com estas coisas, ditas/escritas assim em público... Hoje à noite a gente conversa, explico melhor meu ponto de vista. Apesar de que, agora já era, não?...

Leonil de Moura É o seguinte: tudo é História. E se é História, merece registro. Tem as suas confusões e tal, uns e outros (e eu mesmo) podem(os) sentir uns desconfortos, certas lembranças etc... Mas, tudo bem, vamos nessa!... Eu também tô curioso pra saber o que vão escrever.

Russa Pimentel A questão é séria. Está bem, não tenho direito de proibir, nem ninguém. Preservo, porém, meus direitos, de imagem e de opinião. É bom que quem escreva tenha muita consciência do que faz. E saiba muito bem dos riscos que provoca. E que corre...

Rolé de Matos Tão vendo como eu tinha razão?... Me antecipei um pouco, mas o fato é que tudo que então me preocupava acontece agora. O BRT está sendo altamente discutido: é perigoso e não dá conta... A Vila Autódromo está sendo arrasada (e invadida, veja a foto) pelo movimento olímpico e imobiliário capitaneado pela prefeitura do Rio. E é vítima da mais olímpica indiferença, tanto da imprensa quanto do Comitê Olímpico, e todos esses deviam ganhar Medalha de Ouro em Injustiça Social... Continuam na luta, que nem os professores, e estes porque não só querem privatizar as escolas públicas como até mesmo os pensamentos dos alunos. Já os cracudos, os ferrados pela vontade (própria e alheia), continuam esquecidos (exceto pelos fornecedores) à beira das avenidas... Enfim, tudo normal, um ano depois: o futuro não teve a menor chance!... De minha parte, não tem problema, pode contar tudo!

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