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Coisa
muito nebulosa... Nem raiara o dia e já se adivinhava um sol encoberto por uma aparentemente
definitiva névoa. O anfiteatro dourado continuava aberto, madrugada a dentro, aos
atores, que desperdiçaram mais esta chance de sucesso. Os sete seguiram sonados
até o embarque, que já estava na hora, todos sonhando, por incrível que pareça,
com a apertada maciez das poltronas do avião.
O voo até o Panamá, já sabiam,
durava pouco mais de uma hora, que se aproveitasse ao máximo o conforto. E realmente,
no que se aboletaram nos lugares escolhidos, cada um imediatamente recomeçou o sono do mesmo ponto em que fora interrompido, na madrugada, pelos próprios
celulares, com o necessário reforço do telefone da recepção do hotel.
Muito tempo depois, perceberam que a decolagem custava a
acontecer, que o dia amanhecia, que clareou, que continuavam ali, grudados ao
chão do El Dorado. O aviso de que precisavam aguardar a dissipação da neblina, com
previsão para mais uma hora, ajudou a reforçar o sono. E, enfim, como a demora
ultrapassou duas horas e meia, colocaram o sono em dia: o dia finalmente
começava.![]() |
El Dorado nebuloso |
Apenas se livraram da enjoada espera no avião, sob a neblina
total do El Dorado, purgatório que durou quase toda a manhã, vem a decolagem, rápida
curva à direita sobrevoando Bogotá e, logo, a cordilheira dos Andes tomou conta
das cenas da janelinha da aeronave, a partir daí a melhor TV, ao menos para
Egberto.
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Neblina na pista de Bogotá |
- Bum!...
Da janelinha ao lado, enfiando a cara na fresta entre a poltrona
e a parede do avião, Rolé, com um susto, trouxe-o de volta ao voo.
Vulcão não é brinquedo, não para o ser humano, certamente...
Vulcões têm raízes profundas na terra, que, um dia, regurgitará. Ou não, caso seu
fio de fogo seque. Só à distância são tranquilos. Ficar longe, o jeito de não
sentir
medo e admirá-los melhor. Do avião, vista panorâmica, dá belas fotos...
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Nevado del Ruiz, Colômbia |
Egberto, atento, logo depois descobre outro. Menos espetacular,
respeitável o bastante, vulcão de cone aplastado, disfarçado pela neve suja. E
que lhe importavam os nomes?... Consultaria mapas. Brasileiro carente destes
excessos geológicos, agradecia aos céus (e às profundas forças da Terra) a
oportunidade de encará-los pelos vidros embaçados da janelinha do avião, a esta
altura de sua vida, felizmente, muito longe dos livros escolares...
Até uma cordilheira passa, e vem o litoral, uma espichada planície
litorânea sem acidentes reconhecíveis, a pacífica costa da Colômbia, pelo menos
àquela altura e diante de seu profundo desconhecimento da história da região. Tão
rápido assim, surge um jogo de ilhas panamenhas, minúsculos paraísos tropicais.
Destinos turísticos particulares, imaginou, observando a magra povoação dos lugarejos,
alguns ao lado de pistas de pouso cuidadosamente encaixadas.
Daí, o largo espaço do golfo do Panamá e, nele, mais uma vez, o
mar de navios!... Um surpreendente estacionamento de navios, a maioria visivelmente vermelhos, todos
espalhados pelo verde-azul do oceano, aglomeração que se antecipava à própria
visão do continente, ainda distante.
- Ora, este estoque de
navios... Só pode ser a fila da travessia do Canal
do Panamá!
E onde começava a fila? Aliás, onde começava o canal? Resposta
imprecisa, e nem deu tempo de pensar: no que o avião avançava, torres brotavam
no litoral!... Sim, Panama City, a versão centro-americana das
cidades-espetáculo, as da península arábica, Doha e Catar, do outro lado deste
mundo global... A manhã da capital panamenha também se cobria de névoa, a
distância era grande, mas Egberto jamais perderia a oportunidade de fazer umas
fotos, pena não poder pedir a supercâmera de Raíssa, que dormitava. Apelou para
a quase sempre à mão camerazinha prateada, embora prejudicada, há meses, por um
lanho na lente... ![]() |
Panama City, geral do Centro da cidade |
Chegaram
a Tocumen, onde sentiram-se veteranos, ainda que pisando apenas pela segunda
vez as passarelas comerciais do aeroporto de Panama City. Para quem só faz
conexão e, assim, não entra no país, Tocumen não passava de uma grande avenida
de lojas secundadas por uma sucessão de portões de embarques. A caverna de
Platão sem as sombras, substituídas pelas cintilantes luzes das melhores grifes
e das mais famosas marcas mundiais. Cada uma, em caverna própria, todas elas
guardadas por lobos-vendedores famintos, na disputa de clientes-ovelhas. Realmente,
os turistas pareciam carneirinhos, tangidos aos voos de destino por lancinantes
avisos sonoros e espalhafatosos luminosos amarelos. Nem todos, que os que têm
tempo e ganância, por conta própria se deixam levar às caixas registradoras das
lojas, basta que sigam as pistas expressas em dólar.
-
Vem comigo, vamos voltar, está logo ali, o Topo Gigio no meio dos perfumes!...
Exatamente os bens que faltavam aos
zás-brás: dólares e tempo... E o tempo, naquela hora, era o mais valioso. Por
conta (e custo) do nevoeiro em Bogotá, mais de duas horas de atraso, perderam o
voo das 9:16h, seriam compulsoriamente embarcados no seguinte, o das 12:57h. Com
isso, a proposta de Rolé, de improvisarem um laboratório teatral (nada mais do
que entrar nas lojas desfilando uma atitude olímpica, sem reparar nas ofertas, sem
falar com vendedores, entrar e sair como zumbis), esta ideia tão útil à causa
teatral, ficou prejudicada.
Mal
tiveram tempo de olhar as lojas, mas Rolé não deixava de olhar as pessoas... Notou
uma personagem estranha circulando pelas lojas de Tocumen, uma figura
desentocada da sua infância televisiva, e rapidamente desconfiou da presença de
outro grupo teatral (que, imaginou, certamente também iria a Cuba), e, mais,
também fazendo uma performance!...
Deu
meia trava para conferir melhor, até que, sempre olhando para trás, deu uma
corridinha, que precisava de testemunhas, e pegou Leonil, o mais retardatário, pelo
braço:
![]() |
Topo Gigio nos perfumes |
-
Tá maluco?
-
Cara, puro teatro!...
--
PaCuCoBras [grupo fechado] – Comentários:
Russa Pimentel Que bobagem,
Rolé!... Devia ser uma fã fora do tempo ou, melhor, fora de moda... Nada a ver
com um grupo de teatro. Pelo menos, pelo que sei, não se viu ninguém
contracenando com ratazanas no Festival de Havana.
Rolé de Matos Tá certo, não
rolou... Agora, sinceramente, aquele Topo Gigio de feltro circulando pela loja
de perfumes, sei não... Deve ter algum sentido profundo, que na hora me
escapou: não dá para creditar o fato apenas à estranheza humana...
Berto Triz Tonho Vejam só,
um ratão perfumado!... Que bobagem, cara!... O que me impressionou mesmo no
Panamá, à primeira vista, foi o próprio perfil da cidade, e depois mais ainda. Teatro
por teatro, aquilo lá, fora os dramas, é que é o tremendo de um cenário!...
Gastão Cavalcanti Um verdadeiro
“paredón” capitalista!...
Rolé de Matos Olha, tem toda
razão: o paredão de prédios me impressionou mais do que os vulcões.
Leonil de Moura Tem muita
grana enterrada ali. Aliás, algumas daquelas fachadas podiam ser folheadas a
ouro. Ou a dólar...
Elói de Holanda Até hoje me
pergunto de onde veio todo esse dinheiro... Tenho certeza de que não caiu do
céu!... Até porque, se fosse o caso, ao povo lá bastaria recolher a grana do
chão e certamente estariam vivendo melhor.
Eliete Barbosa Ó, aviso logo,
hem, hehehehe: não fui eu que mandei construir a parede de prédios!... E também
não fui eu que mandei o Topo Gigio comprar perfumes!... Nem tudo é culpa
minha...
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