4/09/2015

03 - De passagem

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O avião atravessava a nebulosa fronteira amazônica a alguns mil metros de altura, o Brasil ia ficando para trás e a letargia tornava-se o estado geral dos passageiros. Conferidos os filmes (alguns trechos até assistidos), visto um ou outro vídeo de música, roqueira ou latina, e investigados alguns roteiros de viagem pelo Caribe, não havia muito mais o que fazer e os viajantes, sempre presos ao espaço minimalista da poltrona, atravessavam agora a grande monotonia do intervalo entre as refeições.
Apenas Egberto mantinha sua vigília, o nariz embicado para o vidro duplo da janelinha, os olhos atravessando a atmosfera nebulosa da América do Sul. Algum tempo mais e a certeza de estar em território estrangeiro, já surgiam os primeiros sinais dos Andes. Conferiu no mapa da telinha: Bogotá estava exatamente na rota do avião!

A reta da rota
- Caceta, não acredito... Vamos passar por cima de Bogotá, ir até o Panamá e retornar a Bogotá!... Podiam ao menos desviar um pouco a rota, me doeria menos...
Uma ironia que precisava engolir, e não tinha outro jeito: ele mesmo a inventara!... Culpa da falta de tempo e de alguma ignorância como viajante internacional, mas também, é claro, da contínua esperteza das companhias aéreas, e isso aliviava um pouco a sua sensação de incompetência.
O ideal seria um roteiro linear, ir por um lado e voltar por outro, conhecer mais lugares, mas o custo se tornaria exagerado. Por algum motivo, os preços de viagens ponto-a-ponto eram menos caros, certamente uma estratégia combinada entre as empresas. Sendo assim, necessitava escolher um ponto central de chegada e de retorno, para, a partir dali, realizarem as viagens complementares: o melhor pivô seria Bogotá, lhe pareceu. Pelo que conseguiu pesquisar, na agonia dos ensaios e dos acertos burocráticos, a companhia de melhores preços tinha como base (ou “hub”, talvez para ganhar um charme, pensou) a capital do Panamá, a agora internacionalizada Panama City. Acontece que o primeiro destino, em viagem de reconhecimento, era Havana, Cuba, e o principal (aliás, obrigatório, por conta da participação no Festival), Medellín, Colômbia. A solução que lhe aflorou à mente, o máximo de praticidade que conseguiu imaginar, foi programar uma viagem Rio-Bogotá ponto-a-ponto e, então, partir de lá para as outras idas-e-vindas menores. A opção continuava lhe parecendo estranha, e nem ficara muito clara para os outros, mas era a estratégia que lhe foi possível, agora cumprida sem contestação, até porque não se altera uma viagem sem criar algum prejuízo sério para quem a compra...
Pois, o voo passava exatamente sobre Bogotá, muita ironia!... Maior ainda, foi perceber, na janelinha, após as montanhas dos Andes, com o avião já iniciando o descenso, o surgimento de uma grande mancha urbana e, nela, um mais que evidente aeroporto, com as suas duas pistas conectadas por um prédio comum, todo o conjunto formando um espichado H, uma esquisita construção que ocupava espaço nas bordas de uma grande cidade, certamente, Bogotá!...

Sobre o El Dorado, Bogotá
De imediato, lembrou-se das pesquisas no GoogleMaps e agora revia o mapa ao vivo, desenhado no próprio solo. Só que em rápido movimento e mal conseguiu fazer uma foto, a prova do crime... Do qual, aliás, era cúmplice, e logo ele que detestava errar tão feio.
Tentou dividir o desconforto com Raíssa:
- Imagina, estou vendo lá em baixo o aeroporto El Dorado, de Bogotá!
Ela, que acompanhava uma comédia romântica, olhos fixos na telinha, isolada por fones de ouvido, não fez mais do que um gesto definitivo com a mão, algo que talvez significasse “deixa pra lá”...
Egberto admitiu: o caminho era sem volta.
Ou melhor, voltariam, mas não no tempo e nem na decisão tomada. Conferindo, conseguira uma foto bem enquadrada do El Dorado. Deixou a viagem continuar. Não tinha domínio sobre rotas aéreas comerciais, não podia pedir que fizessem uma curva no ar, que descessem ali mesmo... Até que não podia reclamar: vinha vindo tudo bem, ele administrando (com louvor, na própria opinião) tanto a produção quanto os investimentos desta, ainda que assumidamente amadorística, primeira excursão internacional da Zás-Brás. Tudo bem, mas a sensação de desperdício que lhe vinha do vaivém nas alturas não deixava de ligar, no mínimo, um alerta amarelo... Os demais, recolhidos às poltronas, comportavam-se com suficiente naturalidade (ou precavido desligamento?), o que incluía pedidos extras de bebidas e as correspondentes idas ao banheiro, e pareciam mesmo não se apoquentar com estes dilemas geográficos e comerciais, talvez até por não precisarem pagar as passagens...

O mar de navios
Sim, para frente é que se voa!... E logo as montanhas deram lugar ao golfo do Panamá e o aviãozinho da telinha começou a indicar um giro à direita, o bico apontando Panama City, bem no centro de um arco, o Panamá, um país em cruz, que ocupa um istmo em um sentido e é cortado por um canal em outro. Um canal, tudo bem, é fácil de identificar, mas só alguém assumidamente fascinado pela Geografia escolar reconhece um istmo quando encontra um... 
Disso, Egberto se orgulhava e, nesta aproximação, sentiu boa oportunidade de voltar a ser feliz, antes mesmo de desembarcar. Se não chegou a tanto foi porque, sentado na ala direita do avião, não conseguia ver mais do que o mar do golfo do Panamá e, nele, um bando de navios absolutamente parados.
Felizmente, cruzaram rápido o litoral de manguezais e já sobre terra firme dispôs-se a curtir, como consolo visual, a sombra do avião deslizando inteira pelo chão, crescendo com a aproximação da pista e seguindo o avião a seu lado. 


A fiel companheira
A mais simplória das boas vindas, um cachorro que persegue um carro à entrada de uma cidadezinha do interior...

Viajava nisso quando Raíssa perguntou:
- Ei, você entendeu esse aviso aí da tela, cheio de números de voos?
- Não, nem prestei atenção...
Bem que Egberto vislumbrou no detalhe mais uma de suas falhas, e foi só o tempo de ouvir a voz rascante de Elói:
- Quer dizer que vamos ter que mudar de avião?!...
Realmente, a aeromoça lera um papel em ritmo acelerado pouco antes e agora a informação passava na telinha das poltronas: a lista das cidades dos possíveis destinos, os números dos respectivos voos e a sigla dos portões a que os passageiros deviam se dirigir. Sim, trocariam de avião no Panamá, e nem Egberto, organizador da viagem, e muito menos os demais artistas atentaram para o detalhe. 
Para voltar a partir
Para alívio geral, as bagagens, menos trabalho, seguiriam direto... O amarfanhado bando, com um mau humor proporcional ao abafado calor das cinco da tarde, não teve alternativa: o jeito foi encarar o agitado aeroporto Tocumén, de Panamá City e atravessar longos corredores até o octógono do gate 28, para, finalmente, embarcar para Bogotá.


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PaCuCoBras [grupo fechado] – Comentários:



 Gastão Cavalcanti Marcou bobeira, hem, Berto?... Uma grana que depois faltou... Podia ter sido mais cuidadoso, fazer um roteiro menos complicado e ainda comprar passagens mais baratas.

 Russa Pimentel Ah, não!... Isso eu acompanhei e posso lhe dizer: é um jogo de cartas marcadas, não é fácil se dar bem na hora de comprar passagens aéreas.

 Berto Triz Tonho Pensei que já tínhamos falado o suficiente sobre esse assunto. Não ter conseguido o melhor resultado não significa que eu pretendia ter prejuízo. Apesar de tudo, saía mais barato do que ir direto. É bem verdade que eu podia ter tentado fazer o pivô no Panamá, mas depois que vc pesquisa preços, eles ficam sabendo e o valor só aumenta. O melhor é decidir logo, e foi o que fiz. Aliás, não baixam os preços nem quando o combustível fica mais barato, que nem agora que o petróleo vale a metade do preço daquela época...

 Leonil de Moura É, não é fácil mesmo não... Um amigo meu, que mora em São Paulo, para ir a um congresso de uma semana em Portugal, fez voos ida e volta a Lisboa via Frankfurt, na Alemanha!... Era mais barato do que os voos diretos. O único problema é que teve de tomar um chá de banco de espera de aeroporto...

 Rolé de Matos Eu só sei que a gente quase ficou viciado no aeroporto do Panamá. Fizemos escala lá quantas vezes, 5, 6?... Sei lá, um monte... Já não aguentava mais passar na frente daquelas lojas, qualquer hora iam me oferecer emprego de vendedor de perfume, chocolate...

 Eliete Barbosa Não tem problema, Berto, foi até divertido.




 Elói de Holanda Faltou fé, meu caro, faltou fé... Ou paciência. Mas, para comprar, que na viagem a gente teve muita!

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