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O avião atravessava a nebulosa fronteira amazônica a alguns mil metros de altura, o Brasil ia ficando para trás e a letargia tornava-se o estado geral dos passageiros. Conferidos os filmes (alguns trechos até assistidos), visto um ou outro vídeo de música, roqueira ou latina, e investigados alguns roteiros de viagem pelo Caribe, não havia muito mais o que fazer e os viajantes, sempre presos ao espaço minimalista da poltrona, atravessavam agora a grande monotonia do intervalo entre as refeições.
Apenas Egberto mantinha sua vigília, o nariz embicado para
o vidro duplo da janelinha, os olhos atravessando a atmosfera nebulosa da
América do Sul. Algum tempo mais e a certeza de estar em território estrangeiro,
já surgiam os primeiros sinais dos Andes. Conferiu no mapa da telinha: Bogotá estava exatamente na rota do avião!
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A reta da rota |
- Caceta, não acredito... Vamos passar por cima de Bogotá, ir
até o Panamá e retornar a Bogotá!... Podiam ao menos desviar um pouco a rota, me
doeria menos...
Uma ironia que precisava engolir, e não tinha outro jeito:
ele mesmo a inventara!... Culpa da falta de tempo e de alguma ignorância como
viajante internacional, mas também, é claro, da contínua esperteza das
companhias aéreas, e isso aliviava um pouco a sua sensação de incompetência.
O ideal seria um roteiro linear, ir por um lado e voltar por
outro, conhecer mais lugares, mas o custo se tornaria exagerado. Por algum
motivo, os preços de viagens ponto-a-ponto eram menos caros, certamente uma
estratégia combinada entre as empresas. Sendo assim, necessitava escolher um
ponto central de chegada e de retorno, para, a partir dali, realizarem as viagens
complementares: o melhor pivô seria Bogotá, lhe pareceu. Pelo que conseguiu
pesquisar, na agonia dos ensaios e dos acertos burocráticos, a companhia de melhores
preços tinha como base (ou “hub”, talvez para ganhar um charme, pensou) a
capital do Panamá, a agora internacionalizada Panama City. Acontece que o
primeiro destino, em viagem de reconhecimento, era Havana, Cuba, e o principal (aliás,
obrigatório, por conta da participação no Festival), Medellín, Colômbia. A
solução que lhe aflorou à mente, o máximo de praticidade que conseguiu
imaginar, foi programar uma viagem Rio-Bogotá ponto-a-ponto e, então, partir de
lá para as outras idas-e-vindas menores. A opção continuava lhe parecendo
estranha, e nem ficara muito clara para os outros, mas era a estratégia que lhe
foi possível, agora cumprida sem contestação, até porque não se altera uma viagem
sem criar algum prejuízo sério para quem a compra...
Pois, o voo passava exatamente sobre Bogotá, muita
ironia!... Maior ainda, foi perceber, na janelinha, após as montanhas dos
Andes, com o avião já iniciando o descenso, o surgimento de uma grande mancha
urbana e, nela, um mais que evidente aeroporto, com as suas duas pistas
conectadas por um prédio comum, todo o conjunto formando um espichado H, uma esquisita
construção que ocupava espaço nas bordas de uma grande cidade, certamente, Bogotá!...
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Sobre o El Dorado, Bogotá |
Tentou dividir o desconforto com Raíssa:
- Imagina, estou vendo lá em baixo o aeroporto El Dorado,
de Bogotá!
Ela, que acompanhava uma comédia romântica, olhos fixos na
telinha, isolada por fones de ouvido, não fez mais do que um gesto definitivo
com a mão, algo que talvez significasse “deixa pra lá”...
Egberto admitiu: o caminho era sem volta.
Ou melhor, voltariam, mas não no tempo e nem na decisão
tomada. Conferindo, conseguira uma foto bem enquadrada do El Dorado. Deixou a
viagem continuar. Não tinha domínio sobre rotas aéreas comerciais, não podia
pedir que fizessem uma curva no ar, que descessem ali mesmo... Até que não
podia reclamar: vinha vindo tudo bem, ele administrando (com louvor, na própria
opinião) tanto a produção quanto os investimentos desta, ainda que
assumidamente amadorística, primeira excursão internacional da Zás-Brás. Tudo
bem, mas a sensação de desperdício que lhe vinha do vaivém nas alturas não
deixava de ligar, no mínimo, um alerta amarelo... Os demais, recolhidos às
poltronas, comportavam-se com suficiente naturalidade (ou precavido desligamento?),
o que incluía pedidos extras de bebidas e as correspondentes idas ao banheiro,
e pareciam mesmo não se apoquentar com estes dilemas geográficos e comerciais,
talvez até por não precisarem pagar as passagens...
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O mar de navios |
Disso,
Egberto se orgulhava e, nesta aproximação, sentiu boa oportunidade de voltar a
ser feliz, antes mesmo de desembarcar. Se não chegou a tanto foi porque,
sentado na ala direita do avião, não conseguia ver mais do que o mar do golfo
do Panamá e, nele, um bando de navios absolutamente parados.
Felizmente, cruzaram rápido o litoral de manguezais e já
sobre terra firme dispôs-se a curtir, como consolo visual, a sombra do avião
deslizando inteira pelo chão, crescendo com a aproximação da pista e seguindo o
avião a seu lado.
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A fiel companheira |
Viajava nisso quando Raíssa perguntou:
- Ei, você entendeu esse aviso aí da tela, cheio de números
de voos?
- Não, nem prestei atenção...
Bem que Egberto vislumbrou no detalhe mais uma de suas
falhas, e foi só o tempo de ouvir a voz rascante de Elói:
- Quer dizer que vamos ter que mudar de avião?!...
Realmente, a aeromoça lera um papel em ritmo acelerado pouco
antes e agora a informação passava na telinha das poltronas: a lista das
cidades dos possíveis destinos, os números dos respectivos voos e a sigla dos
portões a que os passageiros deviam se dirigir. Sim, trocariam de avião no
Panamá, e nem Egberto, organizador da viagem, e muito menos os demais artistas atentaram
para o detalhe.
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Para voltar a partir |
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PaCuCoBras [grupo
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