4/13/2015

04 - Bate e pronto

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Caso um polvo (talvez para encarar a pesada poluição dos mares) venha a necessitar de um exoesqueleto, pode simplesmente copiar, com todos os seus braços, sólidos corredores, e os seus dedos, metálicos fingers de embarque, o projeto arquitetônico do prédio do aeroporto do Tocumen, de Panama City. Nas entranhas do polvo, dezenas de lojas iluminadas pelo esforço de atrair a atenção do viajante, um comércio espalhafatoso mais para bazar do que para shopping center. Com tempo curto de conexão e movimento intenso, ultrapassar as lojas, incluindo a inevitável olhadinha em perfumes, chocolates e eletrônicos, e desviar dos clientes virou corrida de obstáculos: para chegar à porta de embarque gastaram quase a metade dos 45 minutos disponíveis...
- Rápido pessoal!... A gente conhece o Panamá na volta de Cuba!
- Mas isso aqui nem é o Panamá, é só o aeroporto!
Do longo corredor central saíam outros três, o espantado amarelo das barras de aviso indicando a direção, e, afinal, um salão hexagonal, cadeiras de espera e, em cada face, um portão (ou puerta ou gate), e, bem em frente, o 28.

Embarque no 28
Pela aflição dos alto-falantes e o nervosismo dos painéis de voos, começaram a entender o conceito básico de hub, um aeroporto centralizador de conexões aéreas, e as suas características: diminuição de custos para a companhia aérea dominante, garantia de boa clientela para as lojas associadas e séria tendência a assustar viajantes inexperientes...
O voo para Bogotá, pouco mais de uma hora, a noite chegando, foi monótono. Elói e Eliete nem se deram ao trabalho de arrumar a bagagem de mão no bagageiro, levaram no colo. As luzes se apagam, silêncio absoluto entre os membros da Zás-Brás: como resultado das sete horas da viagem Rio-Panamá, e mais a tensão da conexão acelerada, caíram no sono. Eliete manteve-se vigilante, uma das formas pelas quais as preocupações se manifestam...

Eliete aflita
Coubera a ela, na divisão dos trabalhos de última hora, pesquisar na internet e reservar um hotel bom, barato e bem perto do aeroporto de Bogotá, para passar a noite (melhor, parte dela) e Eliete não tinha a menor certeza de que fizera uma boa escolha... Considerando o alto grau de irreverência (mais precisamente, de mordacidade) de seus velhos companheiros, só em pensar que o tal hotelzinho pudesse ser uma arapuca, ia-lhe crescendo uma aflição com chance de virar o mais puro pavor. Um segredo que guardava há décadas: fazia de tudo para não despertar o deboche alheio, principalmente destes seus amigos, verdadeiros profissionais do ramo. Relação altamente perigosa para ela, e a administrava sem o menor deslize há dezenas de anos, praticando os mais cuidadosos gestos. Difícil mesmo, e sempre fora, a aproximação da definição entre fracasso e sucesso. Passara por isto muitíssimas vezes, clandestinamente, em segredo absoluto, eles não sabiam de nada... Para o medo não vir à tona, melhor assistir sem ver qualquer coisa na telinha...
Na chegada, avião taxiando, e Rolé, não explicou o motivo, parecia agitado... Normal o controle da imigração, apesar, estavam na Colômbia, da aparatosa equipe de agentes alfandegários, muito bem uniformizados. O fecho-ecler metálico da bolsinha de Leonil, com algum dinheiro vivo por baixo das calças, acionou o alarme do arco do detector de metais, já acontecera o mesmo no Panamá. Tudo bem, mais uma vez bastou afrouxar o cinto e arriar o cós: o policial entendeu o motivo do alarme e liberou. 

Eliete reconhecida
No saguão, recepção calorosa... Um rapaz mostrando uma folha de papel com letras grandes, em caixa alta: ELIETE BARBOSA. Não propriamente um fã, o motorista da van do hotel... Sentiu como um reconhecimento público, e não deixava de ser, praticamente um sucesso antecipado...
Rolé continuava fazendo, desde o pátio de manobras, a sua melhor cara de burro diante do palácio, até que, atravessando as grandes portas de vidro da fachada do prédio e chegando ao pátio central entre as duas alas, a caminho do estacionamento, iniciou um monólogo:
- Cara, aqui fora também!... É impressionante!... Que grande ideia!...
Haviam ouvido muitas histórias sobre surpresas e perigos da Colômbia e Rolé, talvez por conta de seu olhar vidrado, criara um desassossego geral, exceto para Eliete, ainda curtindo o inesperado sucesso. Formou-se, rápido, se não um gabinete de crise, ao menos um círculo de surpresa, e Rolé viu-se obrigado a desembuchar:
- A iluminação é toda amarela... Ou melhor, dourada!... Tanto na pista dos aviões quanto aqui, na entrada do aeroporto!...

- Quê que isso tem a ver?..., Gastão imediatamente criticou. Esse tipo de luz é muito comum por aí, em qualquer lugar...
- Sim, mas nós estamos em El Dorado, o aeroporto de Bogotá!... Pode conferir: todas as luzes externas são douradas!... Pense bem, gente boa: é claro que se trata de uma grande jogada de marketing!... E os colombianos são muito bons nisso... Sim!... É simples: o prédio forma um grande anfiteatro, duas alas que se interligam. Está tudo pronto: a iluminação dourada cria o cenário!... A gente chega, começa o espetáculo!... De repente, estamos em pleno palco!... Genial!... Tudo a ver!
O anfiteatro dourado

Dormir cedo tinha mais a ver... O voo para Cuba saía às 6,50h da manhã, precisavam estar de volta ao El Dorado lá pelas quatro da matina, e os seus nada impressionados companheiros saíram negaceando as cabeças na direção da van. Apenas Egberto deu meia trava, parada para falar com seus zíperes: “Muita bobeira!... Bem, pelo menos um de nós pensa em teatro o tempo todo...”
Em doze minutos estavam diante do balcão de recepção do Bogotá on Holidays. Ficava num bairro próximo, área residencial de classe média baixa, bem à frente de uma praça sossegada, pelo que a noite permitia ver. Bem escolhido, o que não quer dizer que Eliete não devesse ter razão suas preocupações... O problema não estava no hotel, mas na reserva. A Zás-Brás Elucubrações Artísticas era formada por sete artistas, porém Eliete, até por falta de opções, reservou apenas dois quartos triplos, ou seja, apenas seis artistas tinham lugar garantido. Tudo bem... O gerente do hotel não se incomodou com o acréscimo de mais um hóspede (cobrando, naturalmente, uma taxa extra): o problema era a inexistência de uma cama extra...
Transferida a questão para a trupe, uma negociação rápida, rascante e mal humorada. Alguém dormiria no chão ou, em outra estratégia, dois ou três se apertariam em uma única cama. Decisão complicada demais, quando se está no bagaço, após chacolhar um dia inteiro em ambiente tão apertado quanto: todos queriam o máximo de espaço para dormir!
O gerente mostrou as chaves, Rolé deu o bote. Foi dada a largada para outra corrida de obstáculos, malas, escadas, vagas no elevador de portas pantográficas... Ficou para trás, tentando se explicar, a própria Eliete. Contou, ao menos, com a solidariedade constrangida de Elói: dividiram uma cama de solteiro...
Tudo certo, e as cabeças de pedra já baixavam nos travesseiros, mas houve tempo para Leonil se aproximar de Egberto e relembrar a angustiante preocupação:
- Chefia, a gente vai mesmo chegar a Havana a tempo de assistir à estreia da seleção brasileira?...
- É claro que sim, Leo. Calculei os horários mais de mil vezes...
- Certo, chefia, mas... Mas, a televisão lá de Cuba vai mesmo transmitir os jogos da Copa, garante?...
- Leo, sério mesmo... Vai dormir, porra!
Tudo isto dava um sono...

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PaCuCoBras [grupo fechado] – Comentários:

Eliete Barbosa Nada a ver! Que segredo, coisa nenhuma! Mas, é cada coisa que esse povo diz! Eu respeito todo mundo, só quero que me respeitem. Imagina, ter medo de que debochem de mim. Queria ver alguém se atrever! Todo mundo tem direito de errar, poxa!

Leonil de Moura Ah, admita, Lili, vc marcou a maior bobeira, reservou errado...


 Eliete Barbosa Que errado o quê! O cara é que entendeu mal, não tenho culpa. E se eu pedisse um quarto mais, sei lá se tinha. Nil, não enche! Bobeira deu o Rolé, com aquela história de luzes amarelas...

Rolé de Matos Qual é, garota?... Não vem com essa não, que vc não entende nada de cenografia, muito menos de recursos simbólicos, e os caras são bons nisso. Todo mundo entendeu, só vc que não. Aliás, nem entende nem de secretariar um grupo teatral...

Elói de Holanda Pera aí, Rolé, qualé? Todo mundo tem direito de errar, ela mesma disse. Errou, mas pediu perdão, Deus perdoa. Graças a Deus, deu tudo certo, só a gente dormiu apertado, não vem não...

 Gastão Cavalcanti E o stress que deu?... Sinceramente, não tinha necessidade. O hotelzinho nem era tão ruim assim, nosso grupo é que dormiu embolado.

Eliete Barbosa Olha aí, vocês vão toma...ndo conta dos seus assuntos! Hehehe, é isso aí, que nem a garotada dizia antigamente...

Russa Pimentel Essas cobranças são muito chatas, deixem a Lili em paz. Ela fez o que podia e pronto. Se o Rolé viu estrelas no aeroporto, também devia ter curtido a noite no hotel como um momento de congraçamento coletivo, talvez um happening solidário...  

Berto Triz Tonho Faz seguinte, pessoal: considerem a situação como uma primeira experiência de terceirização das nossas atividades, ok? Quem gostou, gostou; quem não gostou, aguente. E agora já passou.

 Eliete Barbosa Valeu, gente.


Rolé de Matos Valeu?...

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